Câncer: qual é a diferença entre cura e remissão?
Por que receber a notícia de que o corpo está livre de células cancerígenas detectáveis não significa, necessariamente, a cura
5 minutos de leitura • 5 de maio de 2025


Embora os pacientes busquem a cura, os médicos têm certos cuidados com essa palavra
Imagem: Shutterstock
Por Vanessa Lima
Quem acessa o perfil de Jéssica Lange, 38, se depara com uma mulher jovem e cheia de saúde, compartilhando seu estilo de vida, com rotina de treinos e alimentação. Somente ao se aprofundar um pouco nas publicações é que os visitantes entendem que ela, que é de Vila Velha (ES), mas atualmente mora em Santa Vitória do Palmar (RS), é uma sobrevivente. Batalhou duro contra um câncer de mama, que descobriu aos 35 anos, e depois de tratamentos com várias sessões de quimioterapia e uma mastectomia bilateral radical (retirada completa de ambas as mamas), em 2022, seu corpo não demonstra mais sinais de câncer. “Como meus exames de acompanhamento mostram ausência de doença, me considero curada há três anos”, afirma.
A maioria dos médicos, no entanto, não usaria essa palavra. Pelo menos, não por enquanto. “Sei que pela ciência existe essa distinção entre os termos ‘remissão’ e ‘cura’. Na minha visão de paciente, sim, estou em remissão. Mas se meus exames de rotina mostram ausência de doença, então, para mim, estou curada. Neste momento de ausência de doença no meu corpo, eu estou curada”, opina. “Para mim, pouco importa se existe um ‘prazo certo’ para se falar em cura. Como paciente, meu prazo é hoje. Por pensar dessa forma, não sinto angústia”, explica.

Por que não se fala em cura?
Há quem avalie que os médicos ou a ciência, como um todo, possam ser pessimistas demais com tanto receio de usar, com firmeza, a palavra “cura”. Para muitos, a impressão é de que eles preferem não dizer, esperando a possibilidade de o câncer voltar a qualquer hora. Contudo, não é bem assim — e o cuidado com a escolha das palavras tem algumas justificativas.
“Em oncologia, o termo remissão é preferido ao termo cura por uma razão essencial: o câncer é uma doença complexa, com comportamento, muitas vezes, imprevisível”, explica a oncologista Juliana Ferrari, da Oncoclínicas&Co. “Quando dizemos que um paciente está em remissão, estamos afirmando que os sinais e sintomas da doença desapareceram (de forma parcial ou completa), mas não podemos garantir que o câncer foi erradicado definitivamente. A cura, por definição, implicaria a eliminação total das células cancerígenas do corpo, com certeza de que elas não voltarão. Porém, como muitas células malignas podem permanecer dormentes por anos, existe o risco de recidiva [reaparecimento da doença], mesmo após longos períodos sem sinais”, detalha. Segundo a especialista, a cautela ao usar a palavra ‘cura’ é importante para não gerar uma falsa sensação de segurança e evitar frustrações, em caso de retorno da doença.
Para a psico-oncologista Natalia Baratta Gil, da Oncoclínicas&Co, remissão é um conceito técnico, enquanto cura é mais associada ao senso comum. “Do ponto de vista psíquico, a cura tem a ver com a experiência emocional do paciente”, aponta. Exatamente como descreveu Jéssica, que entende cada dia sem sinal da doença, como um dia de cura.
No entanto, a psico-oncologista lembra que a mera escolha da palavra pode ter também um efeito prático, que reflete na adesão ao acompanhamento médico. “O câncer é uma doença crônica não transmissível e, mesmo após o tratamento agudo, há uma etapa contínua de cuidados. O termo ‘cura’ pode passar a ideia de um encerramento definitivo, o que nem sempre corresponde à realidade, já que muitos pacientes precisam de monitoramento a longo prazo”, destaca.
"Remissão significa que não há evidências da doença no momento, mas o paciente continua em acompanhamento. Evitamos usar o termo cura porque o paciente está livre da doença, porém ele vai continuar com os seus exames de imagem, com as suas consultas regulares ao oncologista”, acrescenta", acrescenta Natalia Baratta Gil, psico-oncologista da Oncoclínicas&Co.
A importância do acompanhamento
Mesmo considerando-se curada, Jéssica sabe que realizar os exames periódicos é essencial para monitorar sua saúde. “Faço acompanhamento de seis em seis meses com minha oncologista e mastologista. Elas vão intercalando os pedidos entre mamografia, ressonância das mamas, tomografia computadorizada do tórax e do abdômen total ou ultrassom das mamas e do abdômen total, além dos exames de sangue”, detalha.
A médica Juliana Ferrari explica que o plano de acompanhamento depois da remissão pode variar bastante, de acordo alguns fatores, como o tipo e a localização do tumor, o estágio inicial da doença, a resposta ao tratamento, a idade e a saúde geral do paciente.
"O tempo total de acompanhamento varia, mas muitos pacientes continuam sendo acompanhados por cinco a dez anos. Alguns permanecem em acompanhamento contínuo, especialmente se o risco de recidiva for mais elevado”, explica a oncologista Juliana Ferrari, da Oncoclínicas&Co.
De forma geral, porém, o seguimento oncológico inclui:
Consultas regulares com o oncologista (geralmente a cada 3-6 meses nos primeiros anos).
Exames de imagem (como tomografias, ressonâncias ou ultrassons), dependendo do caso.
Exames laboratoriais, incluindo marcadores tumorais quando aplicável.
Avaliação de efeitos colaterais tardios do tratamento (como problemas cardíacos, hormonais etc.)
Orientações sobre estilo de vida saudável, alimentação e atividade física.
Quando a palavra cura pode ser usada com segurança?
A oncologista Juliana explica que, embora seja um termo usado com cautela, é possível, sim, falar em cura. Sobretudo quando se trata de determinados tipos de câncer, com prognóstico mais favorável, que costumam responder bem aos tratamentos. Alguns exemplos, segundo ela, são os cânceres de testículo, tireoide, alguns tipos de linfomas, como o de Hodgkin, e alguns tumores detectados precocemente, como o de mama ou de cólon. “No entanto, o uso do termo ‘cura’, geralmente, é condicionado ao tempo de remissão. Muitos oncologistas consideram que, se o paciente permanece sem sinais da doença por cinco anos ou mais, o risco de recidiva é significativamente reduzido, e a cura pode ser considerada — ainda que com ressalvas”, aponta.
Para o paciente, pode ser angustiante viver esperando o momento em que pode se dizer curado, pelo medo da recidiva. “O impacto emocional do câncer não termina com o fim do tratamento”, diz Juliana. Para lidar com isso, ela explica que alguns pontos são fundamentais. Entre eles, estão:
Estabelecer uma comunicação honesta e empática com o paciente desde o início, explicando a natureza da remissão e os possíveis desdobramentos.
Oferecer suporte psicológico contínuo, com acompanhamento de psicólogos ou psico-oncologistas, que podem ajudar o paciente a lidar com a incerteza e os sentimentos de ansiedade.
Trabalhar a construção de um novo significado para a vida pós-tratamento, focando na qualidade de vida, no autocuidado e no retorno às atividades cotidianas, sem negar os riscos, mas também sem viver sob o peso constante do medo.
Incentivar o paciente a viver o presente, valorizando as pequenas conquistas, e entender que o acompanhamento faz parte da prevenção, não necessariamente de um prenúncio de recidiva.
Alcançar a cura é o grande sonho de todos os pacientes, desde o momento em que recebem o diagnóstico. Muitas vezes, é essa esperança que ajuda a reunir forças ao longo das etapas mais desafiadoras do tratamento. Quando decidiu postar conteúdo sobre a vida após o câncer nas redes sociais, Jéssica pensou em oferecer algo que não encontrou quando descobriu seu tumor. “Eu não via casos de mulheres jovens que passaram pela doença e depois ficaram bem. Não sei se por vergonha ou medo de expor um assunto tão íntimo, poucas falavam sobre isso”, diz ela. “Eu quis mostrar que é possível viver, sim, apesar de ter passado por uma doença de quase morte”, completa.
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