Pesquisa da SBOC revela assédio e desigualdade enfrentados por mulheres na oncologia
Estudo inédito da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) expõe índices de violência de gênero e barreiras à liderança feminina no ambiente médico-oncológico
3 minutos de leitura • 16 de maio de 2025


Desigualdade de gênero no ambiente oncológico impactam a prática profissional
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Por Amanda Carvalho
Uma pesquisa inédita da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), publicada no periódico científico JCO Global Oncology, revelou o que antes era conhecido por relatos isolados, mas raramente documentado com números: a desigualdade de gênero e a violência no ambiente oncológico brasileiro são estruturais e impactam diretamente a prática profissional. Entre os dados mais alarmantes, 50,3% das mulheres entrevistadas afirmaram já ter sofrido assédio moral, e 24,7% relataram episódios de assédio sexual. Entre os homens, esses índices foram de 21,4% e 7,1%, respectivamente.
Coordenada pela oncologista clínica Daniele Assad Suzuki, integrante da diretoria da SBOC, a pesquisa ouviu 202 profissionais — sendo 146 mulheres e 56 homens — entre os 2.125 membros da entidade, por meio de questionário enviado por e-mail. A adesão, especialmente entre os homens, foi considerada baixa, mas dentro da média esperada para estudos do tipo. Segundo Suzuki, os resultados representam um ponto de partida relevante para ampliar o debate.
Muitas vezes, faltam dados sistematizados para pautar mudanças institucionais. Esse levantamento ajuda a romper o silêncio e mostra que as mulheres vivem uma realidade distinta dentro da oncologia.”
O estudo também revela que, apesar da crescente presença feminina na medicina, os espaços de decisão continuam ocupados majoritariamente por homens. Apenas 13,7% das mulheres ouvidas ocupam cargos de chefia, enquanto entre os homens esse percentual chega a 30,4%. “A sub-representação feminina em posições de liderança não acontece por falta de qualificação. É reflexo de uma estrutura que ainda impõe barreiras sutis e explícitas à ascensão das mulheres”, avalia Suzuki.
Ela ressalta ainda a importância de tais mudanças para além dos muros institucionais. “A diversidade em equipes médicas está associada a decisões mais equilibradas, empatia ampliada e maior identificação com perfis variados de pacientes. Estudos internacionais já demonstraram que equipes lideradas por mulheres, ou compostas de forma mais diversa, tendem a ter melhores desfechos, adesão ao tratamento e satisfação do paciente.”
Falta de equidade começa cedo e se perpetua
Mesmo com qualificação semelhante — 54,5% das médicas e dos médicos entrevistados fizeram residência em oncologia clínica —, os dados mostram trajetórias muito diferentes. Mais de dois terços das mulheres relataram já ter sofrido algum tipo de discriminação ao longo da carreira. Entre os homens, esse índice foi de apenas 1,8%. “Muitas vezes, essa diferença não se manifesta de forma explícita, mas em microagressões e obstáculos cotidianos, como a interrupção em reuniões, a desvalorização de sugestões ou a exclusão de espaços decisórios”, explica Suzuki.
A percepção de justiça também é desigual. Enquanto 87,5% dos homens acreditam que há igualdade de direitos no ambiente de trabalho, apenas 65,5% das mulheres compartilham essa visão. “Isso mostra o quanto a experiência de gênero molda a forma como nos sentimos pertencentes ou não em determinados espaços”, diz a médica.
Cultura institucional ainda silencia
Outro dado relevante do estudo é que 82,7% das instituições não possuem políticas específicas de equidade de gênero. Para Suzuki, isso reforça a urgência de medidas estruturais. “A ausência de protocolos, canais de denúncia seguros e treinamentos sobre vieses inconscientes cria um ambiente permissivo para comportamentos inadequados”, afirma.
A médica lembra que parte significativa dos episódios de assédio relatados veio de colegas de trabalho e até de pacientes. “A medicina, historicamente, tolerou atitudes que hoje reconhecemos como violentas. É necessário que as instituições assumam seu papel na transformação dessa cultura.”
Mudança exige ação - e não só metas
A SBOC vem estruturando um conjunto de iniciativas para enfrentar o problema. Entre elas, a criação de um espaço de amamentação no congresso da entidade, que será implementado pela primeira vez este ano. “Esse gesto simples tem um valor simbólico enorme. Mostra que é possível conciliar maternidade e carreira com o apoio institucional necessário”, destaca Suzuki.
Outro projeto é um programa de mentoria para médicas jovens com potencial de liderança, que contará com apoio de profissionais experientes. Além disso, haverá um espaço dedicado no congresso para o debate entre lideranças femininas e masculinas, com foco em propostas práticas.
No ano passado, a entidade lançou o guia Mulheres na Oncologia, que trata de temas como assédio, diferença salarial, síndrome da impostora e equilíbrio entre maternidade e carreira. “O nosso objetivo é capacitar as associadas para que enfrentem esses desafios de forma técnica, consciente e estratégica.”
Entre as metas da SBOC está aumentar para 40% a presença de mulheres em cargos de chefia nos próximos dois anos. Mas, segundo Suzuki, esse esforço precisa estar acompanhado de mudanças culturais profundas. “Metas são importantes, mas não bastam. É fundamental trazer esses debates para a graduação, para a residência e para os eventos científicos. Sem equidade e segurança, não há excelência possível — nem para quem cuida, nem para quem é cuidado".
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