Câncer anal: quando o tabu e o estigma se transformam em risco

Com o aumento de casos ligados ao HPV e ao HIV, especialistas alertam: diagnóstico precoce e vacina são fundamentais para salvar vidas

4 minutos de leitura • 6 de junho de 2025

Balão cor de rosa

Mais de 90% dos casos de câncer anal estão associados ao HPV

Imagem: Shutterstock

Por Daniela Barros

Embora ainda seja considerado um câncer raro, o câncer anal tem chamado atenção por um aumento recente nos diagnósticos no mundo inteiro, especialmente em determinados grupos populacionais - como mostrou um levantamento recente publicado na revista Cancer Treatment and Research Communications. A doença, que afeta o canal anal, representa uma pequena fração dos tumores do trato gastrointestinal, mas sua incidência vem crescendo.

“Estima-se que ocorra aproximadamente um caso por ano em uma população de 100 mil pessoas”, informa o oncologista Alexandre Jácome, líder de especialidade de tumores gastrointestinais da Oncoclínicas&Co. Já a oncologista Maria Cecília Mathias, também da Oncoclínicas&Co, acrescenta que esse aumento pode estar relacionado a uma maior exposição a fatores de risco, especialmente à infecção pelo papilomavírus humano (HPV), além do envelhecimento da população e maior reconhecimento e (por consequência) diagnóstico da doença.

O papel do HPV

O principal fator de risco para o desenvolvimento do câncer anal é a infecção crônica pelo HPV. “Mais de 90% dos casos estão associados ao vírus, principalmente aos tipos de alto risco, como o HPV-16”, explica a oncologista Mathias. “O contato do vírus com as células do canal anal leva inicialmente a lesões pré-malignas que podem evoluir para tumores invasivos. É um fenômeno semelhante ao que ocorre no câncer de colo do útero”, acrescenta Jácome.

Além do HPV, há outros fatores importantes: imunossupressão (como em pessoas vivendo com HIV), tabagismo, histórico de múltiplos parceiros sexuais, sexo anal receptivo e antecedentes de câncer ginecológico. “Pessoas imunocompetentes podem ter HPV e não desenvolver a doença. Já a imunossupressão, como no caso do HIV, favorece a manifestação do tumor”, pontua Jácome.

Um grupo especialmente vulnerável é o dos homens que fazem sexo com homens, sobretudo se convivem com o HIV. “É fundamental o uso de preservativos, vacinação contra o HPV, exames de triagem quando indicados, como a anuscopia de alta resolução, e acompanhamento médico regular”, orienta a oncologista Mathias, da Oncoclínicas&Co.

Estigma e atraso no diagnóstico

Apesar dos avanços, o câncer anal ainda enfrenta um obstáculo social: o preconceito. “Há dificuldades em falar sobre doenças anais. As pessoas se sentem intimidadas a relatar sintomas nessa região, o que dificulta o diagnóstico precoce”, afirma Jácome, da Oncoclínicas&Co. A colega Maria Cecília Mathias concorda:

“O estigma em torno do ânus e das práticas sexuais associadas afasta muitos pacientes dos serviços de saúde, atrasando a prevenção e o tratamento”.

Esse cenário ajuda a explicar por que, mesmo sendo pouco comum, o número de internações tem sido alto. Segundo dados da Sociedade Brasileira de Coloproctologia (SBCP), com base em números do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS), houve mais de 38 mil internações por câncer anal no Brasil nos últimos 10 anos. “Para um câncer classificado como raro, esse número (de internações) é alto. Reflete tanto o aumento da incidência quanto o diagnóstico ainda tardio em muitos casos”, avalia Maria Cecília Mathias.

Sinais de alerta: quando procurar o médico

Os sintomas mais comuns incluem sangramento anal, dor ao evacuar, presença de nódulo ou ferida na região anal, prurido (coceira) e, em alguns casos, incontinência fecal. “O câncer anal habitualmente se manifesta como um nódulo ou ferida no canal anal, podendo causar desconforto, dor ou sangramento”, diz Jácome. Esses sinais são facilmente confundidos com hemorroidas, o que reforça a importância de uma avaliação médica, especialmente se os sintomas persistirem por semanas.

Para pacientes com HIV ou outros fatores de risco, a recomendação é de exames periódicos a fim de diagnosticar e tratar lesões pré-malignas. “É possível realizar o papanicolau anal e, se necessário, a anuscopia. O problema é que esses exames não estão amplamente disponíveis, principalmente no SUS”, observa Mathias. 

Prevenção: vacina e cuidados contínuos

O artigo da revista Cancer Treatment and Research Communications, além de reforçar a preocupação com o aumento da incidência do câncer anal, destaca a influência papilomavírus humano (HPV) nesse fenômeno, já que o vírus, como pontuou a oncologista Maria Cecília Mathias no início da reportagem, é responsável por cerca de 90% dos casos de carcinoma de células escamosas (o subtipo mais comum da doença). 

Diante deste cenário, a vacina contra o HPV é, segundo os especialistas consultados pelo Oncomonitor, uma ferramenta essencial na prevenção do câncer anal. “A vacina reduz substancialmente o risco de desenvolvimento desses tumores e deve ser estimulada extensivamente”, afirma Jácome. A oncologista Maria Cecília Mathias destaca ainda que quanto antes a população for imunizada, melhor: “Ela já faz parte do calendário vacinal oficial para crianças e adolescentes, e está indicada também para alguns grupos de risco”.

Além da vacina, outras medidas são importantes, como o uso de preservativos, interrupção do tabagismo, redução do número de parceiros sexuais e controle adequado de infecções como o HIV. Embora o preservativo não ofereça proteção total contra o HPV, ele reduz significativamente o risco e deve ser utilizado em conjunto com outras formas de prevenção.

A boa notícia é que o câncer anal tem altas taxas de cura quando diagnosticado precocemente. Por essa razão, a percepção de um nódulo, ferida, dor ou sangramento anal deve ser sempre investigada por um médico – especialmente se os sintomas persistirem. 

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