Auxílio-doença: quem tem câncer pode receber o benefício?

Pacientes oncológicos que contribuem com o INSS podem receber auxílio-doença mesmo sem a carência de 12 meses exigida normalmente

5 minutos de leitura • 9 de abril de 2025

Imagem mostra mãos fazendo anotações em um caderno, com calculadora e cédulas de dinheiro.

Paciente oncológico pode ter direito a benefício do INSS: entenda como solicitar

Imagem: Shutterstock

Por Vanessa Lima

Quando começou a sentir um desconforto intestinal, em fevereiro de 2024, Alcides Penayo, 49 anos, de Foz do Iguaçu (PR), não imaginava que, em cerca de um mês, receberia um diagnóstico de câncer. Porém, depois de uma cirurgia de emergência e uma bateria de exames, ele descobriu que tinha um tumor no intestino e, na sequência, no fígado. Para fazer o tratamento, Penayo, que é professor em escola pública, precisou se afastar das salas de aula. Então, na sequência, entrou com o pedido do auxílio-doença, um benefício para segurados do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Embora o pagamento tenha caído na conta somente em abril, e ainda seja menor do que seu salário, foi o que o ajudou a honrar parte de seus compromissos financeiros. 

O auxílio-doença, que é atualmente chamado de auxílio por incapacidade temporária, pode ser solicitado por qualquer segurado que precise se afastar do trabalho por razões médicas, por um período maior de 15 dias consecutivos. Para ter direito a receber o benefício, é necessário ter, pelo menos, 12 meses de contribuição ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). No caso de pacientes oncológicos, porém, essa carência é dispensada. 

"Se o paciente está realizando exames e ainda não tem diagnóstico fechado, mas já se encontra incapacitado para suas funções, ele já pode solicitar o benefício”, explica a advogada Manuela Marcatti, especialista em Direito Médico e Direito da Saúde, docente na Universidade de Vassouras (RJ).  

Para isso, ela aponta, é preciso ter um atestado médico que comprove a incapacidade laboral.

Quem tem direito a receber o auxílio-doença

Segundo Manuela, o benefício pode ser solicitado por pessoas que contribuem ou já contribuíram com o INSS, como: 

• Trabalhadores com carteira assinada (regime CLT)

• Contribuinte individual (autônomo)

• Segurado facultativo (quem não trabalha com remuneração, mas opta por contribuir com o INSS mesmo assim, para garantir os benefícios previdenciários)

• Segurado especial (trabalhador rural)

E quando o paciente com câncer é uma criança e os pais é que precisam se afastar do trabalho para acompanhar o tratamento? Segundo a advogada, nesses casos, as opções são o Benefício de Prestação Continuada, da Lei Orgânica da Assistência Social (BPC/LOAS), para famílias de baixa renda, ou o salário-família, para quem trabalha com registro em carteira e recebe uma renda bruta de até R$ 1.906,04. Marcatti lembra ainda que há um projeto de lei, atualmente em discussão, que prevê o pagamento de um auxílio-doença parental, em que o segurado com dependentes em tratamento para doenças graves, como o câncer, receba uma ajuda financeira. “Algumas empresas concedem licença por meio de acordo coletivo”, diz Manuela. “Em casos graves, os pais podem entrar com ação judicial para garantir o direito ao afastamento remunerado”, completa. 

Como solicitar o auxílio-doença ou auxílio por incapacidade temporária

Se você se encaixa em alguma das situações acima e tem o atestado médico em mãos, é preciso iniciar o requerimento pelo site ou pelo telefone do INSS (135). O próximo passo é enviar documento de identificação com foto, CPF, cópia dos exames médicos e do relatório com diagnóstico expresso da doença, com o CID (Código Internacional de Doenças), além da carteira de trabalho, com o comprovante de pagamento das contribuições ao INSS. Em seguida, a solicitação passa pela perícia, que avalia a documentação, a incapacidade para o trabalho e o prazo para o afastamento. 

“O auxílio-doença é pago enquanto durar a incapacidade para o trabalho”, explica a advogada. Segundo ela, o prazo inicial é definido pela perícia médica e pode ser renovado, de acordo com a necessidade. “Se a incapacidade se tornar permanente, o paciente poderá solicitar a aposentadoria por invalidez, atualmente chamada de benefício por incapacidade permanente”, acrescenta. 

O valor, de acordo com a advogada, é calculado de acordo com a média de todos os salários do segurado, desde julho de 1994. O benefício corresponde a 91% dessa média. “Se a média salarial do trabalhador for R$ 3 mil, o valor do auxílio será R$ 2.730,00”, exemplifica Manuela. O benefício não pode ser inferior ao salário-mínimo (R$ 1.412 em 2024).

E se o auxílio-doença atrasar?

Depois de receber o auxílio-doença por alguns meses, no início do tratamento contra o câncer, o professor Alcides Penayo, do início da reportagem, teve o benefício interrompido sem justificativa. Ele e a esposa, a psicóloga Priscilla Penayo, de 43 anos, foram até um posto do INSS, para tentar entender o que havia acontecido. Lá, o atendente os tranquilizou, dizendo que estava tudo certo e que o paciente receberia o restante do valor em breve. 

Além da queda na renda do professor, a esposa também precisou remanejar e diminuir os atendimentos como psicóloga para acompanhá-lo durante o tratamento. Os gastos aumentaram, já que eles precisavam bancar o transporte até o hospital para o tratamento, as medicações complementares não fornecidas pela rede pública de saúde e consultas particulares (alguns encaminhamentos médicos não tinham vagas pelo Sistema Único de Saúde em datas próximas). Isso sem falar que, ao receber o diagnóstico, a casa da família estava em obras. “Houve um aumento brutal de custos e um corte nos ganhos”, resume Priscilla. 

O auxílio-doença pode ser negado?

A advogada Manuela Marcatti explica que o INSS pode negar o auxílio nos casos em que a perícia não comprova a incapacidade, quando o paciente não tem qualidade de segurado, quando falta documentação ou não cumpre os requisitos legais. O benefício também pode ser suspenso caso o segurado deixe de comparecer à perícia para avaliar a prorrogação do prazo ou volte a trabalhar, sem comunicar o INSS. 

Nenhum desses foi o caso de Alcides, no entanto. A especialista conta que, infelizmente, já observou esse atraso no pagamento do auxílio em outros casos. “O INSS enfrenta um grande volume de pedidos, o que causa atrasos na análise e no pagamento dos benefícios”, lamenta. Se houver demora excessiva, as opções do segurado são entrar com recurso administrativo ou acionar a Justiça. 

O próprio INSS divulgou que até o final de 2024, havia pouco mais de 2 milhões de pedidos de benefícios previdenciários em atraso, não apenas de auxílio-doença, mas também de aposentadoria e pensão por morte ou invalidez, entre outros. Segundo dados do último Boletim Estatístico da Previdência Social (Beps), divulgado em abril deste ano, quase metade dos pedidos estão com um atraso menor do que 45 dias, enquanto a outra metade já ultrapassou esse período. 

Alcides e Priscilla optaram por entrar com uma ação judicial, a fim de receber o auxílio-doença interrompido desde novembro de 2024. De lá para cá, para conseguir seguir a vida, o casal teve de contar com amigos e familiares. “Fizemos bazar, vaquinha, rifa. Mas fico pensando em outras pessoas, que precisam pagar aluguel, por exemplo”, indigna-se Priscilla. 

De acordo com Marcatti, o corte indevido do benefício e a demora excessiva no pagamento são as principais razões para ações judiciais contra o INSS. Nos casos devidamente apurados, a advogada ressalta que os juízes costumam conceder pagamento retroativo dos valores atrasados, multa pelo atraso e correção monetária sobre os valores devidos. 

Agora, a Alcides e Priscilla, só resta aguardar. Eles esperam os resultados dos últimos exames, para saber se outra cirurgia será necessária. E também uma resposta do INSS sobre a perícia e os próximos passos da ação judicial. Enquanto isso, decidiram compartilhar a história para chamar a atenção sobre o tema. “As pessoas precisam saber que devem ir em busca de seus direitos”, conclui Priscilla.

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